Maskavas forštate
E agora um pouco de cultura...
Durante a ocupação soviética, o regime decidiu “russificar” os estados bálticos, através de métodos particularmente repugnantes. Grande parte da população local foi deportada, e cidadãos de outras partes da URSS (russófonos) foram instalados nesta área, com particular incidência em Rīga e nas zonas fronteiriças.
Daqui resulta que a minoria russa (chamemos-lhe assim) é demograficamente significativa em Rīga. Na verdade, rondará os 40% da população da cidade.
Esta minoria está sobretudo instalada na parte Leste da cidade, numa zona chamada Maskavas forštate, que era aliás o guetto judeu antes da ocupação nazi.
Saliento desde já que a zona tem má fama, e conheço muita gente que evita deslocar-se a esta área.
É neste local simpático que estão situados 3 dormitórios estudantis, sendo que eu resido num deles. Espero que não por muito tempo. Foda-se.
O espaço em si
Riga pode ter muita arquitectura Art Nouveau, mas aqui não será com certeza.
Os edifícios variam entre a típica casa nórdica, em madeira, com telhados de águas íngremes, e os prédios de construção soviética, cujo propósito era enfiar o maior número de pessoas possível em espaços exíguos.
Além disto ser tudo cinzento (nem os passeios ajudam, tudo em cimento ou alcatrão... que saudades da calçada portuguesa) muitos prédios estão devolutos – o que não significa que estejam desabitados. Casas sem vidros nem portadas, ou mesmo sem telhado, são demasiado comuns.
A noção de ordenamento urbano desta malta também não é famoso... o conceito de “rua” abrange desde a viela mais refundida até um bairro inteiro, se for preciso. Encontrar moradas é um filme.
Em relação à toponímia, é de realçar que as placas nesta zona têm os nomes das ruas em letão e em russo, embora os nomes em russo sejam rasurados numa ou noutra.
As pessoas
É raro encontrar letões a residir por estas bandas, mas há russos aos montes e também alguns ciganos.
Na rua, no autocarro ou no supermercado praticamente só se ouve falar russo, e nada seria mais natural aqui. Daí que, ao agradecer seja o que for, um “paldies” não resulta tão bem como um “spassiba”.
Há velhinhas recessas e rezingonas a vaguear por todo o lado e a alimentar os milhares de gatos vadios das redondezas, gajos com um aspecto particularmente embrutecido a conduzir uns tunings muito suspeitos ou carripanas LADA todas fodidas, sem esquecer o ocasional camião de fabrico soviético.
Os jovens dão em delinquentes num instante, os assaltos tendem a ser violentos e costumamos ouvir uns disparos perto da linha de comboio. Também assisti a uma cena de violência doméstica em plena rua, logo pela manhã. E quando digo violência doméstica, falo num imbecil enfrascado em vodka às 9h da manhã a desancar a mulher, que vai tropeçando nos saltos altos a berrar que nem uma desalmada, enquanto o resto da família assiste sem intervir.
(E suspeito que qualquer tentativa de parar esta cena resultaria num malho de bordoada ainda maior por volta da hora de almoço... estas merdas enojam-me)
Como se todo este cenário precisasse de complemento, esta franja da população é fortemente discriminada, só porque um dia um imbecil com aspirações a conquistador da Europa um dia se lembrou de tirar uns milhares e pôr outros milhares dum sítio diferente.
É bom abrir os olhos de vez em quando.
1 comentário:
Pah, Simões, e o tempo? É fresquinho?... inho
P.S. Continua com as belas das descrições.
Um abraço
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